Cientistas descobrem que o pão é pelo menos 4 mil anos mais antigo que a agricultura
Pesquisadores dinamarqueses utilizaram microscopia eletrônica para analisar restos de comida de 14,4 mil anos encontrados na Jordânia; produção de pão sírio com base em cereais selvagens pode ter motivado revolução agrícola do Neolítico
No nordeste da Jordânia, cientistas descobriram restos de pão sírio feito por caçadores-coletores há 14,4 mil anos – a evidência mais antiga da existência do pão já registrada até hoje.
De acordo com os autores do estudo, publicado nesta segunda-feira, 16, na revista científica PNAS, a descoberta indica que a panificação já era feita pelo menos 4 mil anos antes do advento da agricultura. Foram analisadas 24 amostras de pão pré-histórico encontradas no sítio arqueológico de Shbayqa 1, no Deserto Negro, na Jordânia.
Segundo os cientistas, o achado sugere que a produção de pão com base em cereais selvagens pode ter motivado os caçadores-coletores a cultivarem cereais, o que pode ter contribuído para a revolução agrícola do Neolítico.
“A presença de centenas de restos de comida carbonizada nas estruturas feitas para fogueiras de Shubayqa 1 é uma descoberta excepcional e nos deu uma chance de caracterizar práticas alimentares de 14 mil anos atrás”, disse a primeira autora do estudo, Amaia Arranz Otaegui, arqueobotânica da Universidade de Copanhague (Dinamarca).
De acordo com a cientista, foram analisadas 24 amostras de pães pré-históricos feitos com cevada, aveia e einkorn – uma forma selvagem do trigo. A análise mostra que os grãos foram moídos, peneirados e amassados antes de irem para o fogo.
“As amostras lembram muito o pão ázimo (sem fermento) identificado em vários sítios neolíticos e romanos na Europa e na Turquia. Assim, agora sabemos que produtos semelhantes ao pão já eram produzidos muito antes do desenvolvimento da agricultura. O próximo passo é avaliar se a produção e consumo de pão influenciaram de alguma forma o advento do cultivo de plantas”, afirmou Amaia.
De acordo com o líder das escavações no sítio jordaniano, Tobias Richter, arqueólogo da Universidade de Copenhague, os caçadores-coletores do fim do período Paleolítico interessam particularmente os cientistas, porque eles viveram em um período de transição, quando as pessoas se tornaram mais sedentárias e sua dieta começou a mudar.
Há cerca de 80 anos os arqueólogos estudam a chamada cultura Natufiana, que existiu entre 12,5 mil e 9,5 mil anos atrás no Levante – região do Oriente Médio que inclui a Síria, a Jordânia, o Líbano e a Palestina. Os primeiros vestígios da cultura Natufiana – que incluem os primeiros indícios de agricultura do mundo – foram encontrados na década de 1930 na caverna de Shubayqa.
“Ferramentas de pedra e lâminas de sílex em forma de foice que foram encontradas nos sítios arqueológicos Natufianos, no Levante, fizeram com que os arqueólogos suspeitassem por muito tempo de que essas pessoas começaram a explorar plantas de uma forma diferente, talvez mais eficaz. Mas o pão ázimo encontrado em Shubayqa 1 é a mais antiga evidência da existência do pão já descoberta. Isso mostra que o pão foi inventado antes de termos o cultivo de plantas”, disse Richter.
Segundo Richter, as evidências confirmam algumas das hipóteses dos cientistas. “De fato, é possível que a produção precoce do pão com base em cereais selvagens – e o fato de que ela consumia bastante tempo – tenha sido uma das principais forças por trás da revolução agrícola que viria depois, quando os cereais passaram a ser cultivados para fornecer fontes de alimento mais convenientes”, afirmou.
Os restos de comida carbonizada foram analisados com microscópios eletrônicos em um laboratório da University College London (Reino Unido) pela arqueóloga Lara Gonzalez Carratero, que é especialista em pão pré-histórico.
“A classificação como ‘pão’ ou outro produto com base em cereais na arqueologia não é inequívoca. Tem havido uma tendência a simplificar a classificação sem realmente testar os critérios de identificação”, disse ela.
“Nós estabelecemos um novo conjunto de critérios para identificar o pão, a massa e o mingau como produtos nos registros arqueológicos. Utilizando microscopia eletrônica, nós identificamos as microestruturas e as partículas de cada resto de comida carbonizada”, afirmou a pesquisadora.
“O pão envolve uma intensiva mão-de-obra de processamento, que inclui descascar, moer, amassar e assar os cereais. O fato do pão ser produzido antes do surgimento dos métodos de cultura agrícola sugere que ele era visto como algo especial – e que o desejo de produzir mais desse alimento especial provavelmente contribuiu para a decisão de começar a cultivar cereais”, declarou Lara.
“Tudo isso se baseia em novos desenvolvimentos metodológicos que nos permitem identificar os restos de pão a partir de fragmentos carbonizados muito pequenos, utilizando alta ampliação”, disse outro dos autores da pesquisa, Dorian Fuller, também do Imperial College London.
De acordo com Richter, a equipe da Universidade de Copenhaguen obteve financiamento para um projeto que permitirá continuar os estudos sobre a produção de comida na transição para o Neolítico.
“O Conselho de Pesquisa Independente da Dinamarca aprovou recentemente um financiamento para nosso trabalho, que nos permitirá investigar como as pessoas consumiam diferentes plantas e animais em maior detalhe. Aprimorar nossas pesquisas sobre o pão pré-histórico nos dará, no futuro, uma ideia mais precisa sobre os motivos que levaram aquelas populações a favorecer certos ingredientes que foram selecionados para o cultivo”, disse Richter.